sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

AMOR ETERNO

REENCONTRO

Dia nublado. Cinzas no coração. Ele termina o banho, perfuma-se. Coloca seu melhor terno já surrado pelo tempo. Cheiro de naftalina no ar. Confunde-se com o perfume barato que seu dinheiro pode comprar. Aquele dia seria o reencontro de tantos anos. Vidas impedidas de se amarem em virtude do preconceito racial e social. Sonhos dilacerados. Nunca mais amaram outro alguém. Jamais suas bocas tocaram outros lábios. Enquanto caminha pensa em como ela estaria hoje .Quarenta anos haviam se passado. Passos lentos. Coração em batimento acelerado. Finalmente chega ao local. Entra sem bater. Olha em volta e percebe os olhos de censura. Aproxima-se. Beija-lhe a face. Faz uma promessa silenciosa. Entrega-lhe uma rosa e diz baixinho. Descansa em paz meu amor nesse sono eterno. Em breve a encontrarei no paraíso e estaremos juntos para sempre.

Regina Xavier

O MENINO E O MAR

O MENINO E O MAR

Na areia da praia sob o sol, escaldante do meio-dia, o menino com sua sacola catava as conchinhas que o mar trazia com suas ondas.

Aqueles olhinhos verificavam minuciosamente cada conchinha que pegava. E como seu olhar brilhava quando raramente encontrava alguma que fosse mais bela, de colorida especial ou uma estrela do mar que a ele encantava.

Sentado em uma cadeira, protegido do sol pela sombra da barraca que armara ficava imaginando o que podia dar tanta satisfação aquela criança.

Não tenha mais que sete anos de idade e seu corpo franzida fazia com que parecesse ainda mais infantil.

Comprei então alguns sorvetes e o convidei a sentar-se comigo a fim de se refrescar. Ele abriu um sorriso deslumbrante, aceitou prontamente e veio comigo conversar.

Perguntei-lhe o motivo de tanta alegria ao catar conchinhas e encher sua sacola.

Nesse momento seu semblante ficou triste ao dizer que vendia aquelas conchinhas a uma loja de artesanatos para ajudar o pai doente e desempregado e a mãe que sozinha lutava para dar de comer a ele e o irmão.

Contou que quando vendia, as poucas moedas que pra casa ele trazia a mãe comprava o leite e o pão.

Meus olhos nesse instante se imundaram de lágrimas que eu segurava mas insistiam em rolar. Coloquei os óculos escuros e com um sorriso tentando disfarçar minha emoção, comprei dele o fruto de seu trabalho embora não haja dinheiro que pague um amor de doação.

A tardinha retornei aquela praia. Ele não estava mais lá. Devia estar saboreando pão e o leite com um sorriso no rosto e uma alegria sem igual. Pobre criança que sonha sem saber que é o reflexo da desigualdade social.Regina Xavier

Quem inventou a distância,

A saudade e a dor

Não sabia que poeta

Reuniria tudo em versos

E falaria de amor.

E tudo vira poesia

O canto do trovador!

Numa singela melodia

Em jardins secretos em flor.

Regina Xavier

PONTO DE INTERROGAÇÃO

PONTO DE INTERROGAÇÃO

Será que o amor existe

Ou será mera invenção?

Faz palavras virarem poesia

Nos faz sonhar ao luar,

Conversas com as estrelas

E sempre nos faz chorar.

Que sentimento é esse

Que é tudo tão arrebatador?

Suga alma e pensamento

A vida se torna tormento

Porém de um doce sabor.

A entrega e voluntária

Chega a ser submissão

Cativeiro onde a chave

Fica presa ao coração.

Regina Xavier

SAUDADE

SAUDADE

As luzes da cidade já se apagaram e restam apenas focos multicoloridos dos pingos de chuva que tremulam ao vento no tocar a vidraça embaçada pelo frio lá fora.

As estrelas parecem ter adormecido embaladas pelas nuvens cinzentas que encobrem o céu naquela noite nebulosa.

Eu aqui, prostrado, diante de um retrato já envelhecido pelo tempo enquanto lembranças se renovam como se o tempo jamais tivesse passado.

Por que ainda, depois de tanto tempo consigo ver brilho naquele olhar inerte? Naquele olhar que está comigo agora?

Passaram-se dez anos desde que ela partiu. Foi morar em outro espaço, brincar com os anjos, fazer poesia com a lua. Achava que bens não possuía, então doou todos os órgãos que podia e a mim em testamento deixou as córneas e a saudade, pois a ela pertencia meu mais puro sentimento.

Antes eu não a via. Só podia enxergar a sua alma, sentir seu sorriso e o pulsar do seu coração.

Ela prometeu-me colocar mil estrelas em meus olhos e hoje podendo fitá-la sem nunca mais poder tocá-la, pois vive na amplidão, enxergo as gotas de chuva, mas com o coração em eterna penumbra, na mais dolorosa e completa solidão.

Regina Xavier